A proposta nesta tese é particularizar a discussão do texto literário dramático que, sendo manifestação artística, tem uma função social imanente ao seu sentido próprio, como representação de algo visto, vivido ou imaginado. A escrita dramática, que é também uma escrita literária, pertence ao domínio do teatro como encenação e como montagem. Num primeiro momento, o objetivo é fazer um estudo do drama moderno e da tragédia moderna a partir de um terreno historicizado, bem como verificar o papel do ator e do dramaturgo ao longo da história. Na sequência, relacionar na trilogia de peças históricas do dramaturgo Jorge Andrade O Sumidouro, As Confrarias e Pedreira das Almas as procuras que marcam as personagens e que confirmam a correlação das peças com o drama moderno e com a tragédia moderna, tendo em vista que as questões não são excludentes. Na dramaturgia moderna a origem dos acontecimentos reflete-se sobre si mesma, passado e presente representam um objeto saturado de tensões. A dramaturgia de Jorge Andrade se inscreve nestes aspectos e se apresenta como conteúdo que estabelece uma relação dialética entre dois enunciados: o “enunciado da forma” e o “enunciado do conteúdo”, conteúdos advindos da vida social e que por si só já têm uma forma peculiar. Na tragédia moderna a tensão se instala entre o homem individualizado e o seu papel social. Daí o resultado trágico originar-se especificamente destas tensões.
Este estudo analisa a obra dramática Vereda da Salvação, pertencente ao ciclo Marta,a árvore e o relógio de Jorge Andrade, pelo método da análise do dialogismo discursivo de Mikhail Bakhtin. Dá ênfase especial ao discurso religioso messiânico como apropriação parodística (não cômica), por parte de um grupo de trabalhadores rurais que tinham sido posseiros, do discurso religioso católico tradicional, próprio da sociedade dominada pelos fazendeiros, entre os quais se encontram os que lhes retiraram as terras. Mostra também como um discurso cristão fundamentalista, portanto ãutoritário, contribuiu para a formação contraditória desse discurso messiânico. Aprofunda a análise do conflito discursivo entre os próprios ex-posseiros, através da utilização persuasiva dos discursos da natureza e do bom senso em confronto, que em alguns momentos se torna aberto, com os autoritários discursos fundamentalista e messiânico. Observa o conflito vivido intimamente por Dolor, mãe de Joaquim, protagonista do movimento messiânico, entre o uso do discurso da natureza e do senso comum e o uso do discurso messiânico, ao qual acaba por aderir, consciente do seu
caráter ilusório, por amor ao filho e com o fim de denunciar a sociedade injusta que os tem feito
sofrer como sofreram Cristo e a Virgem Maria, com os quais Joaquim e Dolor se identificam. E
interpreta o desfecho do drama como o resultado da oposição entre dois discursos autoritários,
em que os detentores do discurso católico tradicional preferem recorrer à força das armas da
polícia para silenciar os potencialmente subversivos seguidores do discurso messiânico,
enquanto os agregados mais conscientes se deixam matar, não como crentes messiânicos, mas
como pessoas que partilham de um protesto radical contra a injustiça estrutural daquela
sociedade. O recurso à teoria de Durkheim sobre a religião como forma de coesão social e à
teoria de Northrop Frye sobre o mito de interesse ajuda a explicar a transformação de um
conflito social num conflito religioso, expresso pela figuração artística original de uma obra de
literatura dramática.
Esta dissertação estuda, analisa e conclui a respeito dos idosos presentes em nove das dez peças que compõem o ciclo Marta, que é a primeira e mais importante parte da dramaturgia de Jorge Andrade. Com ela, pretendemos detectar, revelar e valorizar a presença do idoso na obra jorgeandradina, que tem sido pouco notada pela crítica e por outros estudiosos. Acreditamos que, alem dos estudiosos do teatro de Jorge Andrade, ela possa também contribuir com os interessados na problemática das pessoas
pertencentes à terceira idade.