Programa de Pós-Graduação em Letras
Vernáculas da Universidade Federal do Rio
de Janeiro
A família tradicional é composta por pai, mãe e filhos que se encontram em um
laço de afetividade constituído a partir do encontro nupcial entre os cônjuges. Sobre essa
instituição, recaem os preceitos éticos que devem ser fundamentados na educação do
indivíduo que, no seio do lar, é submetido desde o ventre materno à legislação moral,
formadora de um homem íntegro em sociedade e respeitado em sua digna moralidade. A
associação desses princípios à concepção de família se constitui através dos dogmas
religiosos, que consideram família um sistema sagrado. Diante dessa concepção tradicional e
sacra, Nelson Rodrigues encena, em suas peças, as ruínas deflagradas nas relações sem afeto
desses “entes queridos”. Acerca disso, suas produções são representações teatrais em que são
desveladas as máscaras morais através de personagens em crise com seus conflitos interno e
externo. São figuras cênicas multifacetadas em suas representatividades ambivalentes de um
teatro, cuja fatalidade do trágico e a irreverência do cômico atribuem às peças de Nelson
Rodrigues um caráter tragicômico. Esse caráter é manifestado no duplo contraditório de uma
trama cambiante entre o drama da falência de famílias rasuradas em suas intimidades
conturbadas pela miséria de personalidades cênicas desnorteadas entre a intensidade do amor
e o mal-estar da irritação. A tragicomédia no teatro de Nelson Rodrigues é revelada na
exacerbação das marcas trágicas, principalmente, por meio de seu teatro desagradável, no
qual o dramaturgo põe em cena o caos e o desespero de indivíduos que habitam o mesmo
ambiente, mas não se suportam em convivência. Na desmesura de suas ações cênicas,
alcançam as personagens de Nelson Rodrigues o nível do patético, ridículo e hilariante em
tramas que tornam jocoso o homem de aparência sublime em estado de decadência, drama e
piada no esvaecimento de famílias em ruínas. Assim sendo, tomaremos para análise dessa
questão, as peças do teatro desagradável de Nelson Rodrigues, com especial destaque a
Álbum de família (1945), Anjo negro (1946) e Doroteia (1949) e apoiando-nos nos estudos
de Flora Sussekind, Ronaldo Lima Lins, Victor Hugo Adler Pereira, Ângela Leite Lopes,
Sábato Magaldi e Ruy Castro.