Nesta dissertação, tem-se por objetivo discutir a crise do drama a partir da peça O beijo no asfalto, de Nelson Rodrigues. Levantada pelo crítico Peter Szondi em sua Teoria do drama moderno, mas aqui adaptada, essa noção de crise aponta para a necessidade de se desenvolver uma visão histórica e dialética da forma dramática, o que escaparia às poéticas normativas. Em O beijo no asfalto, os personagens se caracterizam como modernos por serem reprimidos, externamente, pela heteronormatividade, e recalcados, internamente, pelos desejos homoeróticos. Não têm, portanto, a liberdade reclamada pelas dramatis personae antigas. São, segundo Freud, indicativos de uma peça psicopática, a qual ao invés de produzir no público a identificação, gera o incômodo. De acordo com Hegel, a verdadeira obra de arte é aquela em que o conteúdo e a forma são completamente idênticos. Acrescente-se a “dificuldade”: o homem moderno heteronormativamente reprimido é matéria histórico-social que se sedimenta como personagem, gerando tensão na relação indissociável entre conteúdo e forma dramáticos. Para o caso brasileiro, para além da crise que é pensada temporalmente por Szondi, as especificidades históricas em contradição dizem respeito também ao fuso horário, o que faz inclusive buscar complementação teórica nas obras de Anatol Rosenfeld e Iná Camargo Costa. Assim, pensar as categorias aplicadas ao Brasil traz sua própria dicotomia: de um lado, o crítico Décio de Almeida Prado fazia observar o adoçamento das linhas de contorno das formas europeias como traço genuíno do teatro nacional, o que é inclusive reforçado pela noção de cordialidade do brasileiro defendida pelo historiador Sérgio Buarque de Holanda; de outro lado, dramaturgos batiam de frente com esse traço ao desenvolverem um teatro que se queria cada vez mais épico. Nelson Rodrigues, em O beijo no asfalto, une as duas coisas: com a ironia criada pela metaficção, a ficção jornalística dentro da peça, além de desnudar as engrenagens da informação, utiliza as “formas adoçadas” de maneira a provocar distanciamento, dando conta dos personagens condicionados por forças anônimas e exigindo um ajuste sincrônico das formas teatrais.