A comédia musical Forrobodó, de Luiz Peixoto e Carlos Bittencourt, estreada em 1912 no Rio de Janeiro, abriu caminho para a ampliação do interesse das classes médias cariocas pela cultura produzida no que se convencionou chamar de "Pequena África". A região em torno da praça Onze tinha uma alta concentração de lideranças espirituais e culturais dos afrobrasileiros e se transformara num viveiro de manifestações que teriam enorme influência na cidade e no país. Minha análise se concentra menos no texto e mais na performance em si, no sentido de apreender como os mitos de uma identidade mestiça começam a se construir. Todos os elementos da produção da peça se combinam para preencher a necessidade de grupos da classe média branca carioca de uma representação ambígua e ambivalente de raça e classe na cultura da cidade.
Fenômeno por longo tempo menosprezado pela crítica e pela historiografia teatral brasileira, o teatro musical ligeiro que se desenvolveu no Rio de Janeiro na passagem do século XIX para o XX constitui um fértil campo para se estudar processos culturais que se desenvolviam na cidade, com reflexos no país, que ajudam a entender as complicadas relações raciais que ainda hoje assombram o imaginário e o cotidiano dessa sociedade. Através da análise de algumas peças de sucesso nas décadas de 1910 e 1920, procuro demonstrar como intelectuais simpáticos à cultura popular carioca estavam se apropriando de imagens e valores que se vinham forjando na Pequena africa do Rio de Janeiro e as transplantavam para o ambiente seguro do palco, despidas de seus conteúdos étnico-culturais originais.