PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO
Meu objetivo neste estudo é analisar a produção teatral contemporânea sob um dos aspectos que, a meu ver, são mais frequentes: a autoficção. Utilizo-me desse termo e não de autobiografia devido à impossibilidade de um teatro autobiográfico nos moldes de Philippe Lejeune (2008), conforme escreve Patrice Pavis (2008, p. 375), em seu Dicionário de teatro, visto tratar-se de uma ficção presente assumida por personagens imaginários. Desta forma, recorro ao conceito de Serge Doubrovsky (1977) para verificar em qual medida, na realização cênica, o hibridismo de ficção e realidade na criação alcança outros níveis de significação e representatibilidade que não seriam percebidos na ficção em prosa. É, portanto, justamente o mesmo ponto que impossibilita o teatro autobiográfico que será a manifestação dessa ambiguidade: o corpo, a voz e o espaço cênico como instâncias sempre duplas no teatro, parte ficção e parte referencial, que multiplicam os níveis de enunciação e promovem novas leituras e estruturas críticas para o teatro e sua relação com a realidade e, portanto, com ele mesmo. Por isso, o reconhecimento ou sinalização da autoficção no texto dramático promove no espectador um rompimento da ilusão teatral similar a outros recursos metadramáticos, como quebra da quarta parede, teatro dentro do teatro, intertextualidade e personagens com consciência dramática. A partir do momento em que a ambiguidade é instaurada, o texto mergulha o leitor/espectador em um jogo de dúvida e desdobramentos, no qual nenhum ponto se torna fixo para que o espectador situe sua percepção do real. Desta forma, o texto dramático se torna um discurso crítico por ser o responsável pelo questionamento da instância, até então estável, da ficção, além de questionar, é claro, o que é teatro. Para tanto, tomo como corpus para exemplificação dos tipos de autoficção que se percebem nas produções contemporâneas os seguintes textos dramáticos e espetáculos: Luís Antônio-Gabriela, de Nelson Baskerville e Verônica Gentilin (2011); Conversas com meu pai, de Alexandre Dal Farra e Janaina Leite (2013); Tebas Land (2013) e La ira de Narciso (2015), ambas de Sergio Blanco. Em todas elas, o jogo entre real e ficcional é nítido e consciente, instaurados de forma crítica por meio da dúvida em relação à identidade dos personagens protagonistas. Para chegar, porém, até elas, mostro como, desde o momento tido como instaurador de uma crise no drama (SZONDI, 2001) uma voz dramática anseia por dizer eu sem máscaras na cena, como o faziam, ou ao menos intentavam, na escrita autobiográfica. Transito pelo século XX, da Suécia de Strindberg ao subjetivismo moderno de Jorge Andrade, na tentativa de evidenciar uma mudança no paradigma da representação que dá base para o irrompimento do real na cena, seja subjetivamente ou de forma direta. A criação de uma verdade em cena, mesmo que seja uma "verdade inventada", uma possibilidade de. Uma versão, mesmo que um pouco turva, de um Real que nunca é alcançado.