Programa de Pós graduação da Universidade de Brasília
Esta dissertação objetiva discutir e analisar as imagens e as referências especulares e infernais contidas nas peças Navalha na carne (1967), de Plínio Marcos de Barros e Entre quatro paredes (1944), de Jean-Paul Sartre conjuntamente às obras fílmicas homônimas a estes textos teatrais, respectivamente, Navalha na carne (1969), do diretor brasileiro Braz Chediak, e Huis Clos (1954), da diretora francesa Jacqueline Audry. Observou-se que o corpus em análise traz vários pontos de vista sobre a natureza e função dos espelhos na literatura moderna, bem como na mesma direção, o inferno dantesco foi redesenhado pelos dramaturgos contemporâneos Plínio Marcos e Jean-Paul Sartre. As obras fílmicas oriundas dos textos-fontes expressam estas categorias analíticas, ora recuperando as ideias dos escritores, ora inovando as temáticas sob o jugo da linguagem cinematográfica e das concepções dos cineastas Jacqueline Audry e Braz Chediak. Do ponto de vista teórico, serviram a este trabalho, variadas expressões críticas, tais como a semiótica, especialmente a peirceana, além de Bakhtin com seus conceitos de carnavalização e dialogia e as inevitáveis incursões sobre a seara da alteridade. Algumas concepções filosóficas de Sartre foram estudadas por serem necessárias para elucidar e melhor compreender seu teatro, especialmente os fundamentos do pensamento existencialista de orientação ateia. No que se refere a Plínio Marcos, processou-se um escrutínio dos seus maiores críticos à luz das intenções da presente dissertação, especialmente sobre sua estética naturalista. Ficou evidente no decorrer da investigação que a condensação da ação e sua aparente simplicidade, características do texto teatral contemporâneo, escondem um universo polissêmico colossal. Ademais, a quantidade reduzida de personagens reclusos em ambientes claustrofóbicos, marca das duas peças estudadas, redefinem nossas concepções de inferno e de relações interpessoais, além de restar agônica nossa percepção do cotidiano, do qual o espelho é objeto indispensável. Na mesma orientação, os textos-fonte de Sartre e Plínio Marcos são oriundos de dois contextos sociais de alta turbulência: a segunda Grande Guerra e a Ditadura Militar brasileira, sendo que estas peças teatrais acabam “espelhando” ou pelo menos desembocando num novo paradigma estético da Odisseia infernal jamais antes imaginado. No âmbito da constituição dos personagens, há notória semelhança entre os textos estudados, a começar pela quantidade de personagens, pela utilização do espaço em confinamento, por uma correspondência em termos de perfil psicológico: Garcin ⇔ Neusa Sueli (fracos e dominados), Estelle ⇔ Veludo (dissimulados e orgulhosos), Inês ⇔ Vado (arrogantes e controladores), sendo que estes binarismos são permutáveis entre si, a depender do olhar do analista. Além disso, observamos que do ponto de vista da interação entre os personagens de ambas as peças, esses carregam grande semelhança em termos constitutivos, pois as “alianças” e “conchavos” entre eles se dão na mesma intensidade que dos rompimentos com intuito de destruir os outros, de se sobrepor: Estelle finge interesse por Garcin para castigar Inês, da mesma maneira que Veludo e Neusa Sueli se aproximam e se distanciam de Vado ao sabor de suas intenções pessoais e mesquinhas ou para autodefesa. Ao cabo percebemos que as máximas sartrianas “o inferno são os outros” e “a existência precede a essência” são acerbamente experimentadas por todos os personagens analisados, assim como pelos dramaturgos em suas trajetórias artísticas e intelectuais.